25 de jun. de 2011

CAPRINOCULTURA E TURISMO VITIVINÍCOLA NO VALE DO SÃO FRANCISCO

O turismo do Vale do São Francisco pode ser bastante enriquecido com a inserção de unidades de produção caprina de interesse turístico, especialmente aquelas voltadas para a produção de queijos e outros derivados do leite. A “rota do vinho” na região começa a se consolidar na região mediante o esforço conjunto das vinícolas e dos viticultores, governos federal estaduais e municipais, bem como do empenho do SEBRAE e das agências de turismo.A idéia de conciliar um “circuito do bode” ao “circuito do vinho” seria valorizar a caprinocultura, enfocando a atividade em toda a dimensão de seu contexto e de suas potencialidades. Nesse sentido, a atividade realmente oferece enorme potencial para atender o turismo vinculado a interesses técnicos, gastronômicos, culturais, ecológicos e de lazer. Experiências dessa natureza já vem sendo desenvolvidas com sucesso no Carirí paraibano, onde o agroecoturismo, integrando manifestações culturais ligadas à atividade, como a conhecida “festa do bode Rei”, com o turismo focado nas formações rochosas abundantes na região, já pode ser considerado uma alternativa econômica consolidada. Apenas no município de Cabaceiras a redução do ISS para as atividades ligadas ao turismo rural concedida em 1999 resultou em incremento de 92% na arrecadação desse imposto em 2003. A Casa da Ovelha, no R.G. do Sul, é outro exemplo de sucesso. Inserida na rota turística do vinho na Serra Gaúcha, recebe anualmente milhares de visitantes que além de observarem o rebanho e o processo de industrialização do leite, podem degustar no porão/varejo queijos, iogurtes e outros derivados, bem como adquirir produtos genuínos de lã e pele de ovelha. Seu iogurte é disputado pelos melhores restaurantes de São Paulo. No plano internacional o queijo de leite de cabra e o vinho já formam um par constante, quase indissociável, nos circuitos turísticos e gastronômicos mais famosos. Segundo especialistas, os queijos ajudam a realçar o sabor dos vinhos. A estratégia para o nosso caso seria a caprinocultura “pegar carona” no circuito do vinho, promovendo a dupla vinho-queijo, compondo uma espécie de “enocapriturismo”.
A região já desponta como produtora artesanal de queijos de cabras, de boa aceitação pelo consumidor, dos tipos coalho, frescal, ricota e boursin, principalmente. Embora em pequena escala e sem oferta estável, esses queijos são comercializados diretamente por alguns produtores de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, com produção anual estimada em torno dos 1.500 kg, diretamente para hotéis, restaurantes e casas especializadas da região.
Inserir algumas dessas unidades, tanto no lado pernambucano quanto no baiano do roteiro, poderia inclusive fortalecer ainda mais o segmento turístico da vitivinicultura, injetando um pouco mais de ruralidade, ou seja, uma maior vinculação com as coisas da terra. Ao turista será dada a chance de ele mesmo ordenhar uma cabra, ver e aprender como se faz um queijo, degustá-lo e comprá-lo. Tudo isso, simultaneamente ao contato com o patrimônio e a beleza natural da propriedade, um passeio em trilha ecológica da caatinga, um almoço de um saboroso e higiênico cabrito ao forno de lenha e, dependendo da unidade turística, um agradável pernoite em chalé típico. Conhecer o artesanato em peles seria outra opção a ser agregada. A implantação da Oficina de Peles da Associação Aprisco do Vale,em Santa Maria da Boa Vista é um passo efetivo nesse caminho. A concretização do planejado Memorial da Caatinga, nos moldes do renomado Arizona Sonora Desert Museum consolidaria as boas perspectivas de sucesso de uma “rota do bode” associada à “rota do vinho”. Entre as ações necessárias para implementar essa parceria podem ser incluídas:
(1)Definição dos principais produtos da caprinocultura a serem trabalhados nas unidades turísticas. Que tipos de queijos combinam melhor com que tipos de vinhos regionais? Sempre conciliar queijos suaves com vinhos leves (tintos leves e brancos secos) e queijos mais condimentados com vinhos mais estruturados (tintos encorpados, espumantes), de acordo com os especialistas. Não esquecer que também as carnes de cabritos e cordeiros, tanto grelhados quanto guisados, são companhias apreciadas para saborear um bom vinho.
(2) Definição das formas de inserção do segmento caprino no roteiro vitivinícola, estimulando as articulações e parcerias entre os distintos segmentos. Exemplo: as degustações e vendas de vinho seriam “casadas” com as de queijos, tanto nas unidades vitivinícolas quanto nas unidades turísticas de caprinocultura – o mesmo com relação a parcerias com outros pontos de comercialização de vinhos na cidade (bodódromo, hotéis, aeroporto, etc.;
(3)Identificação e seleção de unidades de exploração caprina a serem inseridas no roteiro, com base em critérios pré-fixados relativos a potencial qualidade sanitária e sensorial dos produtos, a instalações, a preservação ambiental, a localização/acessibilidade, etc.;
(4) Capacitação técnica e gerencial dos produtores selecionados e demais atores envolvidos no processo;
(5) Apoio técnico e financeiro a adequação e qualificação das unidades selecionadas aos padrões mínimos exigidos pela atividade (elaboração de planos de financiamento e assessoramento técnico na implantação e operação das unidades). Hoje já existem diversas fontes de financiamento para o turismo rural, citando-se como exemplo a linha específica do PRONAF para o produtor de base familiar;
(6) Monitoramento, ajustes corretivos e avaliação periódica dos resultados do programa.
É preciso ainda um empenho especial em envolver, direta e indiretamente, as populações locais, evitando um tipo de turismo que pouco as beneficia. Não é possível que o turista simplesmente chegue a Petrolina ou Juazeiro, se hospede em hotel da cidade, use guias da cidade, visite as propriedades e, logo em seguida, volte para almoçar na cidade.
O turismo integrado vitivinícola x caprinícola, além de revalorizar os patrimônios cultural e natural da região, pode contribuir na reorganização social e econômica das populações do entorno dos perímetros, impactadas por uma política de irrigação “caolha”, que não teve a capacidade de visualizar as previsíveis conseqüências de sua exclusão, a começar pela descaracterização da cultura local.
O ponto fundamental para o sucesso dessa proposta é de natureza técnica: a existência de um ou mais produtos típicos que tenham qualidades realmente diferenciadas em relação aos encontrados no comércio varejista tradicional. Acreditamos que os produtos lácteos e cárneos da nossa caprinocultura regional, associados à paisagem da caatinga e sua biodiversidade e à cultura, via práticas sociais e de trabalho, costumes e tradições, artesanato e, sobretudo, a hospitalidade em nosso ambiente rural, atenderão com sobras esse requisito.
Esta seria realmente uma forma de turismo alternativo e inovador, uma atividade que permite ao turista interagir com a paisagem sertaneja e, ao mesmo tempo, traçar um paralelo com a contrastante visão (mas não necessariamente excludente) da “cultura da irrigação”, representada pelos magníficos vinhedos e modernas vinícolas. Sentir esse choque e perceber como esses dois mundos aparentemente tão díspares podem se dar as mãos será, certamente, uma experiência mais do que compensadora para qualquer turista.

(publicado em 2008)

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