Clovis Guimarães Filho
Nos
estados do Nordeste estão sendo criados comitês integrados de combate a
estiagem, como forma de organizar melhor as ações de apoio aos produtores do
semiárido que sofrem com a seca avassaladora. O importante é que esses comitês,
na prática constituídos apenas de instituições públicas, possam também integrar
pessoas que tenham vivência nos problemas rurais e já tenham entrado num
chiqueiro de bode, pelo menos uma vez na vida. A composição não deve ser só
“chapa branca”. Não é o simples fato de dirigir uma empresa ou instituição pública
que qualifica uma pessoa para compor o comitê. O mesmo deve acontecer no
interior. Comitês regionais ou territoriais precisam ser formados para atuarem
em sincronia com o comitê estadual e fazerem as coisas andarem. Estes também
precisam contar com pessoas que conheçam muito bem o produtor familiar do
semiárido e as circunstâncias sob as quais ele opera. Os comitês necessitam
antes de tudo de sensibilidade para o problema. A composição básica de um
comitê territorial deve, quando possível, incluir, além dos secretários
municipais de agricultura e de representantes dos CMDRs, representantes das
organizações de produtores (associações, cooperativas e outras entidades
efetivamente em operação em cada território), representantes da assistência
técnica e extensão rural regional, de ONGs, de agentes do crédito oficial, de
representantes dos segmentos processador e distribuidor das cadeias produtivas
e de representantes de outros orgãos técnicos, federais ou estaduais, de
pesquisa (universidades, Embrapa, etc.) e de desenvolvimento, com efetiva
atuação na região. Naturalmente, esse seria um comitê consultivo. Dentre esses
deve ser selecionado um grupo menor, executivo, com dedicação exclusiva ao
planejamento e operação das ações.
As queixas
dos produtores são muitas. Praticamente quase todas as ações anunciadas estão
enfrentando problemas para alcançarem seus pretensos beneficiários. O milho
mais barato ainda não chegou, o crédito para comprar ração continua com a mesma
burocracia e os poços e cisternas do programa “Água para Todos” sofre com a
demora das licitações e a falta de estruturas locais para operar mais
eficientemente. O sucesso na travessia desse período de estiagem com o mínimo
de dano aos produtores e às economias dos municípios afetados vai depender exatamente
da qualificação dos comitês e de seus componentes. As medidas até agora
anunciadas, apesar de bem intencionadas, não são absolutamente suficientes para
garantir os bons resultados. Existe uma série de outras providências que
poderiam ser consideradas. No geral o que se espera dos comitês é competência
técnica para identificar em cada espaço geográfico afetado pela seca as
oportunidades e as alternativas passíveis de mobilização e a competência gerencial
para proceder as necessárias articulações para pô-las em operação.
Entre as
principais tarefas de um comitê de convivência com a seca estariam: (1) Coordenação geral de toda a ajuda interna e
externa, incluindo sua captação e distribuição ou operação; (2) Monitoramento e avaliação da
intensidade e abrangência dos efeitos da estiagem na região. A organização de mapas das
áreas afetadas constitui um instrumento fundamental para definição da
estratégia operacional de apoio e priorização das áreas a serem assistidas. Um
mapa básico deve abranger aspectos como: áreas mais atingidas; possíveis áreas
de pasto para uso emergencial; tradicionais e potenciais rotas dos rebanhos;
pontos de elaboração de subprodutos agroindustriais; principais áreas de
cultivo; pontos de água e pontos de apoio técnico-veterinário, entre outros. A
intensidade e os efeitos da estiagem nas áreas mais afetadas devem ser
monitoradas a partir de dados das agências especializadas, como o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e de checagens periódicas de campo. As
perdas e vendas de animais, bem como números relativos à produção e compra de
forragens, rações e outros insumos, devem ser contabilizados e avaliados no
decorrer e no final do período crítico; (3) Mapeamento, recuperação e uso coordenado da rede de
poços e de reservatórios de água disponível na região; (4) Montagem e
coordenação de um sistema de circulação da informação entre os diversos atores
nas áreas afetadas;
(5) Identificação e mobilização de áreas menos ou não
vulneráveis à seca com potencial de apoio à área afetada, estabelecendo com as
mesmas acordos e parcerias (a compra de bagaço hidrolisado das usinas e a parceria com produtores das áreas irrigadas
para cultivo de sorgo BRS-800 que pode ser colhido com 30 dias de plantado são dois
bons exemplos);
(6) Estabelecimento de garantias ao armazenamento estratégico e ao suprimento
preferencial às áreas afetadas pela seca de subprodutos agrícolas ou
agroindustriais que possam ser utilizados na alimentação animal; (7) Planejamento e
implementação de um programa emergencial de assistência técnica e de
capacitação do produtor em práticas emergenciais de gestão da propriedade em
épocas de seca, incluindo técnicas de aproveitamento de materiais alternativos
para alimentação animal (incluindo a elaboração e distribuição de uma cartilha
contendo técnicas de aproveitamento de espécies nativas para fenação, de
amonização de palhadas e subprodutos agroindustriais e de fabricação de blocos
de sal proteinado, entre outras); (8) Estabelecimento de medidas apropriadas para evitar o aviltamento dos
preços dos produtos e exacerbação dos preços dos insumos, especialmente os
utilizados na alimentação animal. A manutenção dos preços de produtos e insumos a um
nível aceitável pode ser efetivada por meio de subsídios aos canais de comercialização
ou de intervenção direta do poder público, pela opção preferencial na compra de
carne, leite e de outros produtos animais (compras institucionais para a
merenda escolar, hospitais, quartéis, etc.). Antes de um primeiro passo nesse
sentido, seria recomendável por em dia os pagamentos de todas as compras do PAA
em atraso, fator que já punha em risco a sobrevivência dos produtores bem antes
do início da estiagem. Esses atrasos são fruto da combinação do excesso de
exigências burocráticas dos ministérios com a lerdeza e despreparo da maioria
dos estados e prefeituras para operarem o programa. O pagamento dos produtos
fornecidos que antes era feito via associações e cooperativas passou a ser
creditado nas contas individuais de cada produtor fornecedor, desacelerando o
processo e desestimulando tudo o que estava sendo feito no campo em termos de
associativismo e cooperativismo; (9) Estabelecimento ou garantia de um crédito
específico e adequado, durante o período de estiagem, voltado para a aquisição
de forragens e rações para os animais, que possibilite ao produtor preservar um
núcleo básico de matrizes (10) Formatação, ao final do
período de estiagem, de um plano ou conjunto de sugestões ou recomendações
visando o reinício efetivo do processo de recuperação das atividades
agropecuárias no seu espaço geográfica de ação. Esse plano deve, necessariamente, enfocar a
formação de estoques estratégicos de forragens para os períodos críticos
(pastos diferidos, feno, silagem, amonizados, palma, etc.), a prática mais
importante a ser incorporada aos sistemas produtivos do semiárido. Como se vê
pela complexidade das tarefas, os conselhos municipais de desenvolvimento rural
(CMDRs), via de regra, não estão preparados para atuarem, sozinhos, como apêndices
locais do comitê estadual.
A
estratégia a ser seguida é a de preservação do capital mínimo, que possibilita
ao caprino-ovinocultor, por exemplo, preservar um núcleo mínimo de matrizes
jovens capaz de, passado o período crítico, iniciar um processo de recuperação
na atividade. Somente a conjunção harmônica dessas medidas acima citadas dará
ao produtor familiar do semiárido a condição necessária para atravessar todo o
período da estiagem com um mínimo possível de perdas, assegurando assim a
reprodutibilidade de seus meios de produção e a possibilidade futura de
recuperar a sua condição econômico-financeira original.
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Obs: Texto
adaptado do trabalho publicado pelo autor nos anais do congresso da SOBER, 2000
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