Clovis Guimarães Filho
A possibilidade de integrar, em um mesmo espaço, o cultivo de fruteiras com a criação de ovinos, começa a despertar maior interesse em função do enorme potencial para redução de custos de produção nos pomares
A consorciação do cultivo de espécies
arbóreas, principalmente frutíferas, com a criação de animais, especialmente
ovinos, tem oferecido resultados promissores em países asiáticos (Filipinas,
Malásia, Sri Lanka), onde essa alternativa já é uma prática comum em áreas
cultivadas com coqueiros, dendezeiros e seringueiras. Estudos nesses e em outros
países mostram, também, a potencialidade dessa tecnologia em áreas de
mangueiras e de cítricos.
No Brasil, observações feitas pela Embrapa e por produtores,
mostram ser possível viabilizar essa tecnologia, com ovinos, em áreas de
pêssego (região de Pelotas, RS), em coqueirais e áreas de cajueiro (litoral
nordestino) e em pomares irrigados de mangueiras, videiras e bananeiras (Vale
do São Francisco). Mais recentemente, a prática começa a ser utilizada por
produtores de mate (no sul), pinha (região de Presidente Dutra, Bahia) e de
café (Minas Gerais).
Embora o bovino possa ser utilizado, o ovino é a espécie
mais recomendável à consorciação, já sendo usada, empiricamente, com esse
propósito, por muitos fruticultores do Vale do São Francisco. Normalmente a atividade pecuária, nesse consórcio, deve ser
considerada como complementar à fruticultura, devendo seus procedimentos se adequarem
às necessidades maiores da fruteira cultivada, já que esta apresenta uma
receita por unidade de área bem superior à observada na produção animal. A
possibilidade das receitas com ovinos suplantarem as obtidas com fruteiras no
vale do São Francisco é remota, a não ser em casos de fruteiras de muito baixo
valor de mercado combinadas com a produção de animais de elite.
No caso específico da manga, a principal vantagem para o
produtor é a redução acentuada no custo de produção da fruta, através da
conjunção dos seguintes benefícios potenciais do sistema:
· Maior eficiência no uso da terra, pelo
aproveitamento da mesma área com duas
atividades, incorporando mais uma fonte de renda e atenuando o problema da sazonalidade no fluxo de recursos observada na
fruticultura;
· Eliminação ou redução de custos com capinas
manuais e roçagens mecânicas e com aplicação de herbicidas (o trabalho é feito
pelos ovinos);
· Redução, a médio e longo prazos, nos custos
com aplicação de fertilizantes, face a deposição contínua e concentrada
de fezes e urina dos animais, melhorando, simultaneamente, a estrutura
do solo e a sua capacidade de retenção de umidade;
· Redução ou atenuação de problemas
ambientais por meio da eliminação, parcial ou total, do uso de herbicidas e da
redução dos problemas de compactação do solo em áreas intensivamente
mecanizadas;
· Redução da incidência de pragas e doenças,
inclusive da mosca-da-fruta, via consumo, pelos animais, de quase todo o
material decomponível que possa favorecer a disseminação de vetores e da
folhagem inferior da fruteira, propiciando mais luz e aeração;
· Redução ou eliminação dos custos com poda
da “saia” e dos prejuízos com quebra dos galhos causada por excessiva carga
produtiva, especialmente em pomares de mangueiras.
· Outras vantagens ainda não comprovadas
podem ser atribuídas ao consórcio, como a otimização da mão-de-obra e a maior
eficiência da irrigação.
Pelas
vantagens acima mencionadas e pela sua característica de atividade
diversificada a fruti-ovinocultura se credencia como um instrumento de grande
potencial para o sistema de produção integrada, bem como para a produção de
frutas orgânicas, cujo mercado se encontra em grande expansão.
Por
outro lado, a consorciação praticada sem o adequado manejo pode acarretar
desvantagens para o fruticultor, podendo ser mencionados como as mais
importantes: os danos às fruteiras jovens; uma maior competição por nutrientes
e umidade entre a fruteira e a vegetação usada como pasto e a compactação do
solo.
Características básicas do
sistema
A
fruti-ovinocultura pode ser conduzida de várias formas. A base para um sistema
mais eficiente é a subdivisão da área cultivada com a fruteira em diversas
parcelas, a serem pastejadas em rotação por um dado número de cabeças (10 a 20 cabeças/hectare),
agrupadas em um piquete móvel de cerca eletrificada ou de telas. O número de
animais é definido em função do tipo de fruteira, do tipo de vegetação a ser
pastada existente entre linhas e do sistema de irrigação empregado. Ajustes na
carga animal devem ser procedidos em função do tipo de pasto e da época do ano.
No caso de se utilizar um pasto cultivado (tífton, por exemplo) ao invés de
vegetação espontânea, os benefícios poderão ser ainda maiores, a começar pela
possibilidade de aplicar uma maior lotação.
A
idéia é que o sistema mantenha animais na área da fruteira por 8 a 10 meses do
ano, deixando a área livre de pastejo no período de maior vulnerabilidade, como
floração e frutificação. Mesmo nesses períodos, há a possibilidade de mantê-los
na área por mais tempo, ou até o ano inteiro, dependendo da fruteira cultivada
(coco e manga seriam as melhores para isso) e também da existência de pastagem
cultivada entre as linhas da fruteira. O uso de cabrestos especiais, impedindo
o animal de levantar a cabeça acima do normal, pode viabilizar uma maior
duração do pastejo em cultivos mais delicados, como a videira. Com
relação ao risco de danos ao sistema de irrigação, as observações feitas, até
agora, indicam ser quase nula a ocorrência de danos significativos, mesmo no
sistema de micro-aspersão.
Alguns
produtores da região sanfranciscana já mantêm, durante certos períodos do ano,
grupos significativos de ovinos, de caprinos e até de bovinos pastejando
livremente em áreas de fruteiras, manejados permanentemente por “pastores”.
Esta é uma forma empírica e bastante rudimentar, boa para o animal, mas que
propicia pouco ou nenhum benefício à fruteira, já que os animais são bastante
seletivos, deixando a maior parte da vegetação indesejável completar seu ciclo
fenológico e gradativamente dominar a área.
Dentre
as fruteiras mais cultivadas nas áreas irrigadas do Vale do São Francisco as
mais indicadas para consorciar com ovinos são o coqueiro e a mangueira. A
videira e a goiabeira também se prestam para o sistema, porém são mais
restritivas em seus resultados potenciais e exigem um manejo mais cuidadoso. A
videira tem um sistema de irrigação mais denso o que pode beneficiar mais a
produção de forragem entre as linhas, sem considerar a oferta da folhagem
disponibilizada nas épocas de poda, avidamente consumida pelos animais.
Como
diretriz geral, em função da maior possibilidade de danos às plantas jovens, os
animais só devem ser colocados para pastar nos pomares quando as fruteiras
estiverem em idade de produção, o que varia de espécie para espécie. Cada
fruteira tem, portanto, seu sistema peculiar de cultivo e de manejo, exigindo
um sistema específico de consorciação. Na prática, isto significa que cada
propriedade deve moldar um sistema próprio de manejo dos animais que se adeque
às práticas de manejo da fruteira requeridas pelo modelo de produção empregado,
já que a fruteira é normalmente a atividade de maior potencial de receita.
Os ovinos, os pastos e o manejo
Os ovinos se alimentam normalmente de quase todas as
espécies do estrato herbáceo que vegetam naturalmente nos pomares da região.
Uma limitação do sistema, capaz de inviabilizar a sua implantação em alguns
casos, é sua baixa capacidade de resposta produtiva em áreas onde a vegetação
espontânea existente entre as fruteiras é mais escassa ou de baixa
palatabilidade para os animais. Este problema pode ser contornado com o cultivo
de pastos de gramíneas forrageiras, as quais, além de propiciarem uma maior e
mais regular oferta alimentar, permitirão uma cobertura mais homogênea do
terreno, essencial para a proteção do solo.
Como
princípio geral para escolha da raça a ser criada, deve se considerar que os
animais de raças mais especializadas requererão um pasto de melhor qualidade
para poder expressar plenamente o seu potencial genético. Para a raça Santa
Inês e seus mestiços, a produção mínima de peso vivo que pode ser esperada,
considerando um período anual de 240 dias de pastejo e a variação na qualidade
do pasto nativo, está na faixa de 150
a 250 kg/hectare. Com a raça Dorper e mestiços em
consórcio de mangueiras ou coqueiros com tífton ou, mesmo búfel nas entrelinhas
os resultados deverão ser bem melhores.
É a raça que vem ganhando a preferência dos produtores da região de
Petrolina/PE por apresentar menor porte, hábito de pastejo rasteiro e possuir
elevado potencial de produção de carne com alto rendimento de carcaça.
A utilização da raça Somalis pode trazer uma vantagem
adicional. Devido ao seu menor porte, o consumo de folhagem das fruteiras
torna-se reduzido, principalmente nos casos da mangueira e da videira. Por outro
lado, esta vantagem pode se diluir um pouco ao se oferecer ao mercado carcaças
menores e com maiores teores de gordura.
Outro ponto que deve ser considerado é com relação à categoria
animal. A engorda de machos apresenta vantagem em relação à cria de ovelhas e
seus cordeiros, principalmente quando o sistema envolver cercas elétricas. Por
envolver animais jovens, portanto de menor porte, e de requerer um manejo mais
simples, sendo vendidos à medida que atingem um determinado peso, a engorda
elimina a necessidade áreas adicionais para onde retirar o rebanho nos períodos
não indicados para pastejo no pomar.
Para
que o consórcio ofereça benefícios para os dois parceiros é fundamental que o
pastejo seja do tipo rotativo, baseado em um cercado eletrificado móvel,
facilmente “arrancado” de um espaço já pastejado e “armado” no espaço seguinte.
O sistema simula uma “roçadeira viva”. Isto permite, também, a liberação
periódica dos espaços já pastejados para as outras operações necessárias de
manejo da cultura, como a poda e a pulverização. Nesse sistema de cercado
móvel, podem ainda ser utilizadas telas ou redes, ao invés de fios
eletrificados. A rigor o sistema dos animais soltos no pomar, predominantemente
utilizado, não pode ser considerado um verdadeiro consórcio, pois apenas o
animal se beneficia de forma significativa.
Os períodos de pastejo e de descanso de cada
piquete são variáveis, em função do tipo de fruteira e sua área total, do tipo
de pasto predominante na área, da época do ano e do número de animais a ser
utilizado. Não há, portanto, um número de dias pré-definido de pastejo e de
descanso. Como orientação inicial, para posterior ajuste, pode-se tomar como
referência de 02 a 05 dias de pastejo por 30-40 de descanso para cada piquete.
O importante é que o produtor maneje o seu sistema de modo que os animais não
“raspem” o pasto. A retirada dos animais de um piquete deve ser feita de modo a
deixar ainda uma camada de vegetação capaz de recobrir e proteger o solo. A
contínua acumulação de restos vegetais permite a formação de um colchão que
amortece o pisoteio protegendo o solo da compactação. Convém lembrar ainda que,
com o passar do tempo, ocorre o natural crescimento das árvores frutíferas
plantadas, reduzindo, em virtude de maiores diâmetros das copas, a incidência
de raios solares nas áreas de pasto e, em conseqüência, um decréscimo
significativo na oferta de forragem para os animais. No caso da manga isto já é
uma realidade, uma vez que cada vez mais, as orientações agronômicas caminham
para densidades maiores dessas fruteiras.
Outros
aspectos técnicos e econômicos do sistema
A
não ser no caso de pomar de coqueiros e de mangueiras, em que, dependendo de
sua vegetação natural, o sistema pode ser aplicado por todo o ano, o período de
pastejo deve cobrir de 8 a 10 meses do ano, procurando-se preservar as
fruteiras do acesso por parte dos animais, em suas épocas de maior
vulnerabilidade, como a floração e a frutificação. Nesses períodos, geralmente
coincidentes com as épocas secas, a forragem disponível no pomar pode ser
cortada e disponibilizada para os animais. Mesmo com essa restrição de pastejo,
as vantagens que podem resultar, em termos de redução ou de eliminação de
aplicações de herbicidas, de roçagens mecânicas e de capinas manuais durante
metade ou três quartos do ano, podem ser decisivas para obtenção de um custo
unitário competitivo do produto. Na fazenda da empresa Frutavi, exportadora de
frutas localizada em Petrolina, são utilizados cerca de 500 ovinos, puros e
mestiços Dorper, em 90 hectares irrigados de manga e de uva, sem qualquer
problema de danos às fruteiras ou ao equipamento de irrigação. Embora não
utilize ainda o pastejo rotacionado, as receitas com as vendas de animais para
reprodução e para carne, juntamente com a economia em esterco e mão-de-obra, já
fizeram a empresa planejar uma intensificação desse sistema consorciado.
A
experiência geral nesse tipo de consorciação deixa uma constatação muito clara:
a possibilidade de o animal causar danos à fruteira não deve ser o único
aspecto determinante para adoção dessa tecnologia, como equivocadamente
acontece. As observações feitas no Brasil mostram que o consumo de folhas das
fruteiras pelos animais, inclusive, deve ser considerado, dependendo da espécie
e da época, como um aspecto vantajoso. Na manga, por exemplo, os próprios
ovinos podem ser usados para fazer a poda. A “saia” mais alta, oriunda da poda
pelos animais, pode constituir vantagem adicional naquelas zonas de maior
incidência de antracnose e até, como constatado em estudo da Embrapa,
contribuir para reduzir problemas de quebra de ramos da fruteira por excessiva
carga de frutas, de ocorrência bastante freqüente.
Na
maior parte do ano o consumo das folhas de algumas fruteiras não afeta em nada
a sua produtividade futura. Estudo feito pela Embrapa Semiárido em exploração
comercial (Fazenda Nova Fronteira), no município de Curaçá, BA, mostrou que os
ramos mais baixos das mangueiras que tiveram suas rebrotas consumidas pelos
ovinos por três vezes, a intervalos de 5-6 semanas, não apresentaram diferença de
produtividade (130 kg/planta) em relação às plantas das áreas sem animais. No
mesmo período, a técnica permitiu economizar duas aplicações de herbicidas,
quatro roçagens e duas capinas e ainda proporcionou um ganho de peso diário de
cerca de 60 g por cabeça. A
consorciação de coqueiros com ovinos pode trazer também muitos bons resultados.
Um estudo da Embrapa Tabuleiros Costeiros, no litoral sergipano, utilizando
ovinos Santa Inês em sistema de pastejo contínuo, mostrou ser possível obter
ganhos de peso diários da ordem de 40 g/cab, reduzindo, ao mesmo tempo, o
número de roçagens na vegetação predominante (capim gengibre), sem afetar a
produção de cocos, desde que mantido o coroamento dos coqueiros.
Um
dos objetivos principais do consórcio é a redução de custos na produção da
fruteira. Isto não impede, contudo, comprovada a sua economicidade, a busca de
índices mais elevados de produtividade do ovino através do cultivo irrigado de
pastos melhorados e da adoção de suplementação alimentar.
De
uma maneira geral, a experiência já existente indica que o importante a considerar é o nível do dano
causado. Uma eventual redução na produtividade da fruta, difícil de ocorrer sob
um bom manejo, pode ser largamente compensada por outros benefícios
proporcionados pelo sistema, resultando em baixos custos unitários de produção,
meta fundamental na busca de competitividade para as nossas frutas nos mercados
nacional e internacional.
O cultivo de fruteiras sob irrigação tem se expandido
rapidamente no vale do São Francisco, atingindo cerca de 50 mil hectares apenas
de mangueiras, coqueiros e videiras na zona sob a influência do pólo
Juazeiro-Petrolina, boa parte dessa produção direcionada para o mercado
externo. A viabilização consórcio com ovinos teria, potencialmente, um impacto
expressivo na atividade, proporcionando-lhe, através de redução de custos,
melhores condições de competitividade, principalmente no mercado nacional. No
que tange ao mercado internacional, atualmente o sistema ainda enfrenta uma certa
limitação de uso naquelas unidades produtivas que exportam manga e uva para os
Estados Unidos e União Européia. As regras ainda predominantes impõem restrições
a compra de frutas oriundas de áreas onde exista circulação de quaisquer animais.
No caso do ovino, tal proibição não tem nenhuma fundamentação científica de
risco sanitário, inclusive sua recomendação se choca frontalmente com tudo que
se defende em termos de princípios agroecológicos. Felizmente muitos
importadores já dispensam essas exigências, o que pode explicar o crescente
interesse ultimamente verificado no vale do São Francisco na apropriação dessa
tecnologia.
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